30 diciembre, 2008

2009

Hoje colei um post-it com minhas resoluções de fim de ano:

- ler todos os livros acumulados, os feeds acumulados, os emails acumulados;
- doar todo o desnecessário pra que eu volte a poder guardar 'tudo' em duas malas;
- cantar mais no banho;
- participar menos do balé automobilístico da cidade;
- gozar, em todo e qualquer sentido, a vida;
- voltar a escrever, mesmo que só neste blog.

15 octubre, 2008

Primeira condenação das 502 denúncias de crimes e tortura praticados pelo Brilhante Ustra

http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2008/10/430855.shtml


No dia 02 de outubro no Tribunal de Justiça de São Paulo, foi julgado procedente o pedido de declaração de responsabilidade de Carlos Alberto Brilhante Ustra pela tortura do casal de ex-presos políticos Maria Amélia de Almeida Teles e César Augusto Teles e também a tortura a Criméia Schmidt de Almeida, irmã de Maria. O casal foi preso em 1972, por gerir uma gráfica do PCdoB. A decisão é inédita no país e foi tomada em 1ª instância.

Ustra comandou o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), o órgão de repressão política durante o regime militar, de 29 de setembro de 1970 a 23 de janeiro de 1974 período de maior repressão política no país.

A decisão é do juiz Gustavo Santini Teodoro, 23¦ Vara Cível de São Paulo, que julgou procedente ação declaratória apresentada pela família TELES.

Segundo o depoimento das testemunhas, Ustra comandava as sessões de tortura com espancamento, choques elétricos e tortura psicológica. Os gritos e choros dos presos eram ouvidos até nas celas. Daí a conclusão do magistrado:

"Não é crível que os presos ouvissem os gritos dos torturados, mas não o réu. Se não o dolo, por condescendência criminosa, ficou caracterizada pelo menos a culpa, por omissão quanto à grave violação dos direitos humanos fundamentais dos autores"

07 octubre, 2008

Momento "Plágio Condescendente"




Bem no Fundo


No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

Paulo Leminski

30 septiembre, 2008

Olhem o antípoda...





Pela Décima Vez
(Noel Rosa)

Jurei não mais amar pela décima vez
Jurei não perdoar o que ele me fez
O costume é a força que fala mais forte do que a natureza
E que nos faz dar provas de fraqueza
Senti que o meu coração quis parar
Quando voltei e escutei a vizinhança falar
Que ele só de pirraça seguiu com um praça ficando lá no xadrez
Pela décima vez ele está inocente nem sabe o que fez
Joguei meu cigarro no chão e pisei
Sem mais nenhum, aquele mesmo apanhei e fumei
Através da fumaça neguei minha raça chorando, a repetir:
Ele é o veneno que eu escolhi pra morrer sem sentir.

29 septiembre, 2008

A vida não me suborna mais

O joguinho de tarefa e recompensa que a Vida gosta de jogar com a gente não é por acaso. Viver é dar voltas pelo mundo buscando ser consentidamente subornado pela existência imensa, em nome da multiplicação da espécie, da vida gregária, da ordem mundial, do espírito humano ou, talvez no fim de tudo, seja mesmo em nome da arte... "The show must go on", gritam ébrias vozes panteônicas apontando ao coliseu azul.

(Tomem isso como exemplo: Está claro que sexo é uma troca suja de fluidos corporais, mas o sujeito vai encantado pra cama, engolir saliva alheia e passar a língua em locais nunca dantes cogitados. O importante é o prazer que ele te dá em troca - sexo, drogas e rock'n'roll são o viral que a Vida espalhou na internet cósmica, seduzindo almas flutuantes e incautas sobre as maravilhas de existir.)

Ocorre que agora a Grande Senhora dos Artifícios não me vê merecedora de seus pequenos subornos, emular a estadia humana por esse estágio de profanação da consciência em algo valoroso, pensa Ela, só interessa quando os sujeitos obedecem a um fim. Às vezes, o sujeito é tão desinteressante que Vida densa já não lhe oferece a peita, não vale a pena; minha fair share foi revogada por tempo indeterminado.

Mas alguém que salta à alienação da racionalidade que essas experiências sensoriais transitórias proporcionam simplesmente não suporta: a realidade não é vivível. Morre-se de ciência continuada.

Em outras palavras, o contentamento que vem das pequenas coisas, das grandes coisas, de qualquer coisa é a filhadaputês mais sarcástica que a Vida poderia haver inventado para fazer-nos dançar para ela. Mas é só quando Ela se deleita que se acendem fogos, a gente sente e é sentido, e tudo se mistura em lisergia, caleidoscopicamente e bem devagarinho.

16 septiembre, 2008

Ele foi pro céu dos gatos



E lá há uma tardinha eterna.

03 septiembre, 2008

Maria Madalena

Maria Madalena não era uma menina bonita de se ver. Ela já havia entendido que, entre o pouco e o demasiado, lhe tocava sempre o não saber qual deles.

Quando estava só com seus livros e seu merlot, ela era só Maria, era linda, vermelha, delirante, e encenava sem querer uma película sem cortes e sem defeitos, intensa e de final trágico, como deve ser.

Sob o sol, ela era Má, Madalena, a outra, a desconcertante, grisácea. Vivia uma vida bemol e sem trilha sonora, loop fantasma girando despercebido e sem razão pelos latifúndios vazios dos Outros.

O que ela sempre quis foi que a vissem sem que fosse vista; queria uma incompreensão cúmplice e, por uma vez na vida, não ter que escolher entre amor e dor.

Entretanto, de sua só a ausência, e nada nunca a delatou.

26 agosto, 2008

Cem Anos de Pantomima

Esse é o post de número 100 deste blog. Não é nada, mas em todo mundo às vezes entra uma necessidade pequeno-burguesa de celebrar ritos de passagem, atingir metas e se sentir importante no mundo através do acúmulo numérico de qualquer espécie. Pro forma, mas é.

Visto que escrever para mim é mesmo uma concepção, que precisa do ato físico do nascimento, doloroso e transcendente como uma alma que desce no terceiro raio de sol, não é difícil encontrar por aqui os sinais desoladores da depressão pós-parto. Mas nascer e morrer é banal. É tudo muito lindo e tudo muito desnecessário.

Porém (ah, porém...), prometo aos meus três leitores que dentro em breve haverá menos pitangas choradas, disfarçadas de filosofia de boteco, e mais filosofia de boteco, disfarçada de conhecimento útil.


ps.: Leia-me preferencialmente entre refeições e evite operar máquinas pesadas.

Histórias de Coletivo n.2

Hoje, tomando o transporte público cidade acima, cidade abaixo, além de ser massacrada pelo hálito demoníaco do sol desse trópico, a minha hipocrisia me deu um belo tapa na cara, daqueles desmoralizantes muito mais que dolorosos; na verdade, dói, mas na alma.

Minha persona européia, de xale no decote, me havia feito esquecer muitas das minhas angústias pessoais. Quando vivia aqui e ainda tinha esperanças, costumava dizer: “sou dos direitos humanos, ajudo as pessoas”. Achava fantástico ser mal paga e viver na insalubridade, porque meus finais de dia eram um pôr-do-sol em Eldorado.

Logo descobri que o que eu fazia era muito mais por mim do que por qualquer outra criatura vivente neste planeta. As cócegas no ego que eu sentia quando fazia apenas cócegas nos muitos problemas sociais com que dizia que trabalhava logo se transformaram em um sentimento de impotencia cínica e egoísmo vil.

Entao pessei a dizer: “sou da Teoria, contribuo com a disseminaçao do conhecimento”. E fui-me embora pra Passárgada, o café blasé, os parques impossíveis e a vida irreal do eterno estado de graça da minha querida Europa.

(Lapso temporal.)

Hoje, dentro do coletivo número quatro, o da volta pra casa, admirando a paisagem urbana, minha melancolia e eu, vi dois garotos e um cachorro dormindo numa calçada, debaixo de uma árvore no lindo bairro do Cabo Branco. Os três juntos, siameses, simétricos, irmãmente dividindo um pedaço de papelão.

Se eu ainda conseguisse chorar, me haveria derretido em lágrimas. Mas eu só consegui olhar pra eles, imóvel, e me sentir nula, um zero à esquerda da existência desprezível.

21 agosto, 2008

Histórias de Coletivo

Um rapaz hoje com uma lata daquelas de argamassa, um bastão de madeira revestido com fita branca, fazendo uma cabeça arredondada, e uma colher de metal.

O transporte público estava já na fase em que dar licensa é uma forma de arte. Entrei com uma sacola na mão, o celular na outra e um bocado de moedas para pagar ao cobrador, ou seja, uma completa tragédia esperando para acontecer.

Consegui um pedaço de corrimão pra chamar de meu e comecei a prestar atenção na cantoria desse supracitado rapaz; deu o tom com sua lata e foi:

"Vou amarrar minha sogra
num tronco de pau e jogar no açude
pra ela deixar de ser rude,
pra ela deixar de ser rude"


Foi impossível não rir com ele, e ele com aquela cara de quem se diverte, de quem aprecia o que faz, que me deu aquela inevitável inveja, visto que dona melancolia se instalou por aqui e já pagou adiantada uma longa estadia.

Não sei se as músicas, todas nesse mesmo teor, eram de autoria desse rapaz ou se isso é tocado nas filiais do Bar do Bode™ sertão adentro; sem dúvida, sua interpretação foi decisiva. Descalço, pedindo moedas no lotação e com aquela cara de felicidade. Se nao era a maria juana, nunca alcancei um estado de espírito similar.

Quando chegamos ao terminal e quase todos descemos, cheguei perto dele e disse: "Não pude contribuir porque não tinha dinheiro, mas você é muito bom". Ele respondeu: "Tem nada não; eu vi a senhora dando risada lá atrás, foi massa".

A senhora aqui se sentiu bem pequenininha perto dele.

19 agosto, 2008

Sartre e Simone

A história de amor mais singular do século XX. Dois escritores profundamente imersos um no outro e ambos no mundo inevitável, uma das coisas mais bonitas que o existencialismo já produziu.

Se inclusive eles eram uma farsa, posso entender porque o amor é o menor dos meus contentamentos na vida.



(...) But soon after it appeared, a stash of de Beauvoir’s letters to Sartre, which she had claimed lost, revealed the celebrated partnership as a web of lies and manipulation, sustained by de Beauvoir’s role as pimp and procurer, supplying the icy Sartre with young girls to deflower – the only aspect of sex he really enjoyed – and engaging in erotic triangles that led third parties to breakdown or suicide.

In a 21st century caught between biological determinism and yummy mummies, de Beauvoir’s assertion that “one is not born a woman, one becomes one,” no longer resonates. De Beauvoir’s entire life, as Carole Seymour-Jones shows vividly in A Dangerous Liaison, was an appalled response to the hypocrisies of bourgeois marriage which she witnessed as an intelligent daughter, born in 1908, in stiff, belle époque Paris. Her pact with Sartre in 1929, committing to an “essential” relationship within which each was free to have “contingent” liaisons, was a bold experiment in rewriting the marriage contract for the 20th century.

The relationship was regarded in the 1960s and 1970s as a template. But even aside from the jealousy, loneliness and misery it brought de Beauvoir as she tried to balance loyalty to Sartre with ruthless use of other lovers, it was never going to be representative because de Beauvoir had a blind spot: she viewed maternity and children so bleakly that they never entered her scale of values. Seymour-Jones is eloquent on the fall-out from this . In old age both de Beauvoir and Sartre adopted rival grown-up daughters, Sylvie le Bon de Beauvoir and Arlette Elkaïm Sartre, to nurse them, and their reputations, through life and posterity.

The de Beauvoir-Sartre myth, spiced with Gallic chic, has shaped women writers since the 1960s so powerfully that it casts its influence across historical subjects, especially French ones, as far back as the revolution.

So in Germaine de Staël & Benjamin Constant, Renee Winegarten writes: “This was indeed the most famous and significant liaison and literary and political partnership before the union of Simone de Beauvoir and Jean-Paul Sartre ... but it was more fraught, fiery and tempestuous than theirs.”

(Jackie Wullschlager is the FT’s visual arts critic)



13 agosto, 2008

Meu Unicórnio Azul

para silvio

Acredito que felicidade não é algo de que alguém se possa orgulhar nem rechaçar: todo ser que pensa é triste, estar ciente do mundo é a maior catástrofe pessoal que possa existir, e não existe prozac para isso. Aliás, o que existe é a abstração. Um dia te dás conta que tudo é impugnável dentro do mundinho feliz de para sempre, e se olhares um pouquinho mais atentamente, o problema surge por estares atento. Máscaras de paisagem são o espaço sem fim no que podes descansar à sombra da tua plenitude; em nenhum momento digo que não se deva lucrar dos minutos de ignorância que deus do céu te manda, porque é só aí que respiras e valhes seres humano.

Que lucres com as falhas da humanidade, oblivious is the new black. Quero ter amor e uma alma em que caiba de tudo, com sanos e loucos, com meu peito à morte, com guerrilhas. Tudo isso em um instante perdido em que eu mereça o amor. Depois do êxtase, minha consciência gastará papéis por recordá-lo.

A felicidade não se detém, afortunadamente. Depois dela, cidades se derrubam e eu me distraio.

12 agosto, 2008

Clichê n. 1

Meu instinto laparoscópico e inadequado me diz que jamais devo escrever quando estou bêbada de sentimentos ou desvalida por uma onda de tédio. É uma fumaça que nem turva nem sobe aos céus, inalá-la é imperioso e exalá-la é um alívio que cobra seu superestimado preço nesse mercado negro dos bytes que voam.

Não tenho escrito nada digno, nada que me dê dinheiro nem que me consiga sexo, drogas ou róquenrôl. E me gera um imenso vazio motivacional não ter o que dizer.

(À parte 1: eu tenho, sim, muito o que dizer. Quando escrevia minha filosofiazinha de boteco, não era pra ninguém mais que pra mim, me fazia sentir bem, me deprimia e depois me fazia cócegas, conquistava espaços e caretas nihilistas. O ôco das pessoas me devolvia um eco, um ego, uma tristeza com aquele risinho de canto de lábio, bem meu e bem canalha. Delightful.)

(À parte 2: não me leia como quem reencarna de Argos, o meu pavão interior morreu no dia em que eu descobri meu dom para o repetismo cínico e os neologismos suspeitosos. A esfinge está em ruínas, não existe uma Razão redentora, esqueça as três dimensões que você vê e atente para a quarta, a que você nunca alcançará; motivação é objetivação de busca, é pergunta ou resposta que nunca se completa. Eu desejo, portanto existo. Razão não tem nada a ver com isso.)

Há 11 dias atrás decidi partir - quando ninguém vai sentir sua falta, bata o pé, construa sua cabana e desista de metáforas poderosas, porque isso espanta gentes; quando chorarem sua partida, doe seus livros, venda seus trapos e procure uma estrada onde tocar um blues. Até quando você também chorar, então é hora de parar e olhar o sol se pôr.

Muito embora tudo seja um grande clichê esperando para ser confundido com uma grande idéia, ainda me sobra espaço nesse coraçãozinho pimpão para um final apoteótico, hors concours, verde e amarelamente lugar-comum:





Talvez, ó instinto meu, a ridiculez deva de fato ser combatida com mãos de ferro. Entrementes, meu vinho das quartas-feiras não teria o mesmo sabor sem esse pequeno desafeto com a autenticidade, pela saúde da dor compartida.

11 agosto, 2008

Caja de Musica | Maria Callas - Carmen (Bizet)




CARMEN
les regardant

Quand je vous aimerai, ma foi, je ne sais pas.
Peut-être jamais, peut-être demain;
Mais pas aujourd'hui, c'est certain.

n. 5 - Habanera

CARMEN
L'amour est un oiseau rebelle
Que nul ne peut apprivoiser,
Et c'est bien en vain qu'on l'appelle
S'il lui convient de refuser.
Rien n'y fait; menace ou prière,
L'un parle bien, l'autre se tait;
Et c'est l'autre que je préfère,
Il n'a rien dit, mais il me plaît.
L'amour est enfant de Bohème,
Il n'a jamais, jamais connu de loi;
Si tu ne m'aimes pas, je t'aime;
Si je t'aime,
Prends garde à toi!
L'oiseau que tu croyais surprendre
Battit de l'aile et s'envola
L'amour est loin, tu peux l'attendre
Tu ne l'attends plus ... il est là
Tout autour de toi, vite, vite,
Il vient, s'en va, puis il revient
Tu crois le tenir, il t'évite,
Tu crois l'éviter, il te tient.
L'amour est enfant de Bohème,
Il n'a jamais connu de loi;
Si tu ne m'aimes pas, je t'aime;
Si je t'aime,
Prends garde à toi

08 agosto, 2008

Meu Livro Inexistente

Depois de muito ouvir sobre as maravilhas da minha tese de graduação, decidi conter minha depressão pós-parto acadêmico e achei que esse filho pródigo deveria ser publicado. Bom, não foi. Nem sei se será. Passou o tempo, talvez tenha perdido a oportunidade.

Queria muito saber porque é tão difícil dar a cara à tapa ou a mão à saudação no mundo das opiniões editadas. Preciso de terapia. De mesa de bar, preferencialmente.

Já publiquei aqui o resumo da ópera. Em homenagem ao natimorto, deixo outro tanto do que a dúvida engoliu - contexto histórico, porque é facinho e eu quero ser popular:


(...) Assim foram influenciados vários outros tratados normativos, tanto no que concerne às constituições dos próprios estados norte-americanos, quanto como inclusive viera a ocorrer nas declarações de direito da Revolução Francesa, gravadas do ardor da insurreição ali havida, e que, por isso, já haviam tratado com acuidade a questão, pelo que pregavam abertamente o direito de “resistência à opressão”, tido como um verdadeiro instrumento de revolução.

O mesmo não ocorre, mui nitidamente, com as constituições dos países socialistas, mesmo contemporâneas historicamente, como não poderia deixar de ser se levarmos em conta que, contemplando a resistência como direito assegurado do povo, não estaria fazendo jus à doutrina do determinismo histórico havido nas construções socialistas de então, que se valiam do revolucionarismo para manter-se no poder. Ora, uma vez facultado o direito de resistência, certamente haveria de se questionar a legalidade daquele estado.

Ainda assim, esse contexto histórico de sucessivas menções ao direito de resistência em textos formais de declaração de estados vem marcar a atmosfera onde Thoureau desenvolvera o seu pensamento crítico, que mais tarde culminaria na sua defesa do que, a partir dali, se chamaria desobediência civil.

O levante do autor contra o poder político norte-americano, constituído num governo escravocrata e segregacionista, foi culminado pela declaração de guerra contra o México (1846-1848), que tinha o escopo de incorporar ao território dos Estados Unidos da América (EUA) partes do país vizinho que já haviam colonizado, as quais correspondiam aos estados do Texas, Novo México e Califórnia, uma guerra considerada injusta, leviana, intentada tão somente tendo em vista os interesses dos donos de escravos do sul do país, que, assim, converteriam mais território onde a escravidão era legalizada.

Foi o momento em que decretou que o estado norte-americano não mais constituía o legítimo representante popular, já que, muito distante do ideário da independência recém-conquistada, havia se tornado nada mais do que um estado escravocrata, repressor e infiel à democracia da qual era constituído.

O que faz Thoureau ser determinante para o estudo da desobediência civil não se vale apenas pelo implemento desta nova nomenclatura, mas por ele ter trazido, junto com ela, uma série de características do que virá a ser uma teoria da desobediência, quando aduz o seguinte:

Minoria: A desobediência civil era um fenômeno das minorias, ou seja, até então, a premente estrutura do contrato social e da democracia liberal que era vigente à época eram determinantes da concessão do poder aos desígnios da maioria, que era quem detinha o poder de deliberar em nome de todos, e apenas a partir dessa deliberação majoritária é que se processava a atuação estatal.

A idéia de Thoureau é a de que, não obstante ao mandamento da estrutura traçada em face do contratualismo de Rousseau, não se poderia falar em poder majoritário, uma vez que a tal “maioria” não mais representava a sociedade; era o resultado de uma democracia doente, que segundo o autor, degenerava essa forma de atuação social, uma vez que por “maioria” correspondia, em verdade, uma casta de interesses particulares, que fazia parte de uma sociedade corrompida pela política individualista daquela época. Nesse aspecto, a maioria exercia o poder, antes que por uma questão de legitimidade, mas pela força.

É por isso que a doutrina da desobediência civil fora destinada às minorias, até pelo requisito lógico de que, num estado democrático, o poder está originariamente depositado no povo pelo acordo da maioria, a qual decide os rumos do ordenamento jurídico a ser construído. Vale lembrar que dizer que a desobediência civil pode ser intentada pela minoria não exclui uma atuação massiva da população nesse sentido, quando a degeneração política das formas de governo alcança nível tal, a ponto de danificar inclusive a condição social de fonte do poder estatal.

Thoureau afirma, inclusive, que, por outro lado, a revolução se dá dentro de cada um, defendendo que a mudança nas estruturas postas pode ocorrer apenas em face do agir de uma única unidade social; para ele, um cidadão apenas, agindo em nome de seus valores morais para converter uma norma injusta em instrumento de justiça social, já estaria, por si só, levando a cabo a “revolução civil”.

Lei injusta: A determinação dos casos pertinentes à desobediência civil foi fulcrada na idéia da lei injusta, sendo assim as leis eminentemente aprisionadoras dos homens, que eram o exórdio à tirania. Assim, o cidadão deveria expor as leis ao seu julgo pessoal, para que, examinadas as suas cominações, pudesse determinar a justiça ou não daquele ato normativo, para, a partir de então, dever-lhe obediência ou apresentar-se-lhe em contrário.

A concepção de lei injusta difere na medida em que confrontamos os pensadores do tema, e será objeto de discussão no avançar deste trabalho, mas, preliminarmente, o que Thoureau trata como injustiça de uma lei poder ser traduzido como o confronto entre a lei escrita (positiva) e a consciência individual: cada um tem o poder soberano de decidir o modo com qual comporta-se face à colação legal, em vez de passar-se como figura passiva diante do ordenamento.

Não-vilolência: talvez seja esse o grande marco e derradeiro efeito do pensamento de Thoureau sobre a desobediência civil, assim nominada, posto que, no nosso entender, a prescrição de que a ação de desobediência deveria ser pacífica para que fosse efetivamente válida, tida como tal, afugentou a ilegalidade gritante que havia em grande parte dos movimentos que pregavam a resistência, visto que não mais incorriam em sanções legais infringentes, notadamente delitos penais, como era de praxe.

E não poderia ser diferente: Thoureau era um revolucionário, mas a sua luta política havia sido desencadeada pela luta contra um Estado que subjugava o próximo pela força, conduzindo guerras injustas e que consagrava a escravidão negra, mais precisamente nas colônias do sul daquele país, onde se praticava o total desrespeito aos direitos civis e torturas e assassinatos eram comumente encenados. A partir disso, o ensaísta decidiu pela revolução pacífica, baseada em atos de consciência individual, que imprimissem justiça em face das “injustiças legalizadas” por uma maioria inerte.

Assim ele o fez, especializando as condutas que passariam a constar como desobediência civil e deteriorando os argumentos em seu desfavor que se baseavam no uso ilícito da violência nos atos de resistência e por vezes os conduziam ao vandalismo, mas tratava de contrapor a isso a idéia de que a violência poderia ser usada, em última análise, quando a situação se apresentasse extrema e o uso da força fosse imperativo.

O caráter eminentemente pacífico da desobediência civil veio a delinear de vez o instituto jurídico assim entendido, posto que, a partir deste ponto, é possível extrair o escopo desse movimento social, qual seja, a modificação, extinção ou implementação da norma ou ato normativo tidos como injustos, afastando, com isso, o pensamento primeiro de que a resistência visava o fim do Estado e do poder constituído, a construção de um novo ordenamento jurídico ou até mesmo o intento do anarquismo , apesar da desobediência civil ter sido determinante, inclusive, em movimentos anarco-pacifistas, todavia incidentalmente.

Com a determinação da desobediência civil como movimento de resistência baseado num ideário de justiça pertinente à consciência moral do individuo, exercida em face de um governo injusto ou ineficiente , construído através da via pacífica, Thoureau consignou um fenômeno político-social que atravessaria a sua época, uma crítica ao Estado Liberal e ao processo democrático falidos, sendo sucedido por obras como o Manifesto Comunista de Karl Marx (1818-1883), lançado no mesmo ano que a obra de Thoureau, e por movimentos em favor da não-violência, tais os liderados por Tolstoy e Gandhi:

A semente da não-violência, para combater a tirania e as leis injustas, plantada por Thoureau, inspirou grandes cruzadas pela paz e liberdade dos povos, como a construção de Leon Tolstoy , escritor russo, autor, entre outras obras, de Guerra e Paz (1865-69) e Ana Karenina (1875-77). Sua obra máxima, entretanto, fora O Reino de Deus está em Vós (1894), que abriu as portas do chamado anarco-pacifismo, um movimento em defesa das liberdades individuais e dos direitos fundamentais, insurgido em face da violência pela força direita, e ainda contra aquela violência exercida pelo constrangimento do cidadão e a precarização das suas garantias individuais.

Leon Tolstoy esculpe, então, a desobediência civil do serviço militar e ao pagamento de impostos financiadores da guerra, ou sempre que incrementassem alguma forma de violência. A idéia é que a violência, em última analise, determina a opressão do povo, notadamente das classes privilegiadas sobre o restante da população; o novelista defende a desobediência civil como forma de combate à opressão do capitalismo, à violência e à injustiça e ilegitimidade do Estado tirânico.
Essa é a sua concepção sobre o cristianismo, e é assim que o revolucionário dissemina os ensinamentos de Cristo e implementa a resistência pacífica com a base moral religiosa, pelo que condena qualquer ascensão bélica e prega a distribuição da propriedade, determinando “o cristianismo não como uma religião mística, mas como uma nova teoria de vida”, subtítulo do livro O Reino de Deus está em Vós.

Em seu exemplo seguiu-se a trajetória do arnarco-pacifismo, o qual contou com revolucionários como Errico Malatesta , que chegou a descrever o anarquismo como um movimento cuja essência está em remover a violência das relações humanas, e que a violência é “um mal em si mesma, (...) justificada apenas quando ela é necessária para defender-se a si mesmo e aos outros da violência”.

É aqui onde Tolstoy deixa sua marca contundente, recriminando toda e qualquer opressão ou manifestação de violência, mesmo a do oprimido em face do opressor, como descreve em carta a Ernest Howard Crosby, datada de 12 de janeiro de 1896, que só vem a corroborar com essa corrente não-violenta, proclamando:

"A doutrina cristã não prescreve nenhuma lei a nenhum homem; não diz ‘siga estas e aquelas leis, temendo a punição, e todos serão felizes’, mas explica a cada indivíduo sua posição particular no mundo e mostra-lhe o resultado especifico dessa posição (...) Todas essas opiniões tratam somente da questão a respeito do que aconteceria aos povos se todos fossem impelidos a cumprir a lei da não-violência; mas, em primeiro lugar, é totalmente impossível compelir todos os homens a aceitar a lei da não-violência, e, em segundo lugar, se isso fosse possível, seria a mais clara negação do próprio princípio que está sendo estabelecido."

Foi também por meio de uma carta, escrita a um jornal hindu, intitulada Uma Carta para um Hindu (A Letter to a Hindu), que as idéias de resistência não violenta de Tolstoy foram introduzidas a Mohandas Gandhi, que vivia na África do Sul nessa época e que, a partir de então, manteve uma farta correspondência com o novelista russo, ao passo que iniciava a sua jornada como ativista político da não-violência.

Thoureau descrevia o estado ideal como aquele onde não há nenhuma lei baseada em sanção, ou seja, nenhuma forma de opressão fosse posta sobre o homem, “o estado que não governa de modo algum”, definido como o estado de natureza, sem poder estruturado. Mas essa sociedade não subsiste sem que haja uma estrutura governamental que lhe de suporte e que traduza da forma mais hábil possível o poder do povo sem o uso direito da violência. Mahatma Gandhi (1869-1948) , então, posicionou-se no caminho da desobediência civil, exercida pela não-violência, como a chave para reverter os problemas experimentados pela democracia e devolver ao povo o seu lugar legítimo de detentor do poder.

Movimentava-se através da satyâgraha, a resistência não violenta através de passeatas, protestos e reivindicações generalizadas em favor dos direitos fundamentais e do estabelecimento da democracia representativa, ou ainda por meio da asahayoh, a não-cooperação, que consistia no boicote a certos produtos frutos do capitalismo, com o intuito de pressionar os donos do capital, atravancar a economia e forçar a casta dominante ao respeito e a concessão dos direitos civis de seu povo.

Essa ação de desobediência, uma vez pacífica, era também intentada com a consciência de que, mesmo sob violência, seus participantes não reagiriam aos opressores, remetendo ao conceito dos contratualistas, que só vêem certo nível de aceitação da desobediência civil se o seu ator estiver certo de sua punição, e mais ainda, estiver de acordo com ela. É a posição do senador Philip A. Hart: “(...) qualquer tolerância que eu possa sentir para com o contestador depende de sua boa vontade em aceitar qualquer punição que a lei venha a impor”.

O movimento de resistência não violenta de Gandhi, assim como os que o influenciaram já falavam, era o instrumento que a população oprimida lançava mão para retomar o poder governamental perdido durante o concilio entremeado do capital com o regime democrático, ou pela própria ausência deste regime – no caso da Índia –, fazendo modificar leis injustas e “humanizando” as ações estatais, de acordo com a moral, notadamente a busca da justiça da alma de cada cidadão. Albert Einstein escrevera sobre Gandhi: “As gerações futuras, provavelmente, mal acreditarão que alguém assim já andou em carne e osso sobre essa terra”.



07 agosto, 2008

As If It Were the Last Time


ILSA
But what about us?

RICK
We'll always have Paris. We didn't have, we'd lost it, until you came to Casablanca. We got it back last night.

ILSA
And I said I would never leave you.

RICK
And you never will. But I've got a job to do too. Where I'm going you can't follow. What I've got to do, you can't be any part of. Ilsa, I'm not good being noble, but it doesn't take much to see that the problems of three little people don't amount to a hill of beans in this crazy world. Someday you'll understand that. Now, now...

Ilsa's eyes well up with tears. Rick puts his hand to her chin and raises her face to meet his own.

RICK
Here's looking at you, kid.

02 agosto, 2008

Nuevo Cafe Barbieri




Cuando llegué a este mundo, venía con las ganas de todo extranjero nacido y moldado en el 'tercer mundo' al alcanzar a Europa, pero no la fantasía adolescente del latte de Starbucks - yo, al fin y al cabo, era una intelectualóide como todos los estudiantes de posgrado izquierdistas de la área de humanas, insistiendo en que todo es meta, metalingüístico, metafísico, metaarte: Yo creía, cuando tenía 18 años que, cumplidos los 25, estaría en un café ochocientista europeo, leyendo a Fleurs du Mal (en el original) y mirando hacia la calle empañada de los vapores urbanos entre la nieve.

Empezaba tímidamente el invierno en Madrid y yo miraba con la extrañeza excitante de la primera mirada a las ventanas barrocas del Café Barbieri, de paso a la Argumosa, porque en el principio de todo, cañas y tapas para mi eran sinónimos de nuevas amistades, y el hecho mismo de hacer nuevas amistades ya me era nuevo. Con no más que un mes de llevar encima la entonces inoficiosa residencia por estudios, me vi en el Barbieri, tomándome un café de pena, ahogada con el humo del tabaco ajeno y con Baudelaire sólo de paseo en mi bolso; el ruido de tanta gente en tantos idiomas apenas me dejó leer la carta.

Por muchos meses, por casi dos años, no volví a estar allí, una u otra vez cuando me invitaba algún amigo, siempre de paso, en la barra, pero desde hace ocho meses el Barbieri se convirtió en mi vecino, estuvo luciente e impoluto en la esquina de mi calle, riéndose de mi, humoso y políglota, mirándome a través de mi reflejo en sus ventanas barrocas. De tanto burlarse de mi provincianismo, cerró por unos días y volvió a vida el Nuevo Café Barbieri. "Si no cambias tu, me cambio yo, que soy más fuerte".

Ahora me voy. Me molesta Madrid - es increíble como no es casual la belleza de un lugar, como todo que te parece hisurto y constante se despliega de la lógica formal en un cerrar y abrir de ojos, o mejor dicho, en el nanosegundo en que emerge inadvertida la pérdida de la paz, del sentirse en un cuesta abajo y que tu escape está en moverte, y tienes que hacerlo, de inmediato, dramáticamente, con urgencia y sin mirar hacia atrás.

Entonces me destronó el timbre que sentí fondo y que sonaba 'ya está', y mis ojos lloraban incertidumbre. Es hora de partir y me tocaba despedirme de mi elefante blanco, de la metáfora colosal de todo a lo que no me atreví. Entré, nuevas mesas, sillones, una vieja jukebox, mucha gente leyendo, muchos idiomas, el mismo aire de tabacaría... aunque ahora todo me parecía pertinente y además me pertenecía. El Nuevo Café Barbieri era mi caluroso vecino, abierto a los necios, a los tutores, las parejas recién descubiertas y a mi.

Me pedí un capuccino temblado, cogí mi ipod y saqué del bolso a Leminski. Le dije bajito: "mira, esa es Europa, pero que no hace justicia a su antecesora". Me reí y volvía a decirle: "En portugués, todo es más bonito". Me sentí alegre, expectante sin anticipaciones, como si al fin las tragedias necesarias tomaran su lugar en la coexistencia con los gozos en mi. El entremente demandando poesía... me dijo Leminski de vuelta:

"Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quando o sentido caminha,
a palavra permanece.

Quem sabe mal digo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.

Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.

O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me luza,
eu, meio, eu dentro, eu, quase."

31 julio, 2008

Porky Pig

29 julio, 2008

owl of minerva sees too much

One may think that freedom of speech is the faculty of proffering whatever it comes to his mind. I see it as an inside and outside issue: apart the great discussion about the limits of this right, try to confront the problem under the listener view, in the way that it's as much important for us can speak up as for us to be able to NOT listen of all the information floating around the world and inferring its presence in the streets, in our mail, at our homes.
Living in society means, by definition, ought to know things we may find unimportant or uninteresting. Part of our duty as citizens is understand and tolerate behaviors as well as participate in the essential matters of politics, that's our 'burden' in order to survive all along.
Nevertheless, I have the right to decide the amount and the content of the information I desire to absorb. I can´t, outside my duties as a citizen, be obligated to listen what you, common person with potential profiting-catechizing-sentimental-or-merely-idiot-opinion, have to say if it's not my unattached and personal decision. This way, I consider I'm fully free of speech when I can produce information (that people decide listening or not), and when I'm fully free to walk down my street and be able to see a window or some tree, not ONLY enormous peaces of publicity talking me into buying a car, to open my email box and don't have to delete tons of 'enlarging my unexistent penis' spams before see my friend's last news, to be aware of what happens around me without the hideous dissimulation of a sold press.
Express yourself also means be let alone to think and create your own opinions.

Em busca de uma noite com a donzela, ele disparou.
Saiu com sua biga a toque de marcha, no meio da noite que era toda céu preto-azulado.
Era uma corrida do seu amor lascivo contra a própria Olímpia, que a todo momento lhe jogava fora de seu carro. Mas nada detinha seu poder, nada continha seu amor. Aumentou o ritmo, como afirmando a opulência desse desejo.
Como nos Jogos, o campeão não via declives. Derrotas são invasores, nao lhe pertencem, não cabem no espetáculo que é a sua vida; como uma clássica coluna, ele é a perfeição.
(A donzela lhe havia prometido uma única noite de prazer sobrehumano se pudesse vencer o tempo e lhe tomasse em seus braços antes da alvorada.)
Entretanto, tombou no inexistente: um declive da estrada lançou longe discos, flechas, seu corpo semi-nu, sua luxúria e seu despiste. Sobreveio a morte. Seu coração foi sepultado ao lado da coluna número treze do pátio de Teodósio. Acabou-se o jogo.
E a donzela, despertada aquela manhã pela luxúria vibrando seu corpo, lamentou a sorte por um minuto e se entregou a outro de seus mil amores.

 

Roberta Gonçalves, 2007 - We copyleft it!