30 septiembre, 2008

Olhem o antípoda...





Pela Décima Vez
(Noel Rosa)

Jurei não mais amar pela décima vez
Jurei não perdoar o que ele me fez
O costume é a força que fala mais forte do que a natureza
E que nos faz dar provas de fraqueza
Senti que o meu coração quis parar
Quando voltei e escutei a vizinhança falar
Que ele só de pirraça seguiu com um praça ficando lá no xadrez
Pela décima vez ele está inocente nem sabe o que fez
Joguei meu cigarro no chão e pisei
Sem mais nenhum, aquele mesmo apanhei e fumei
Através da fumaça neguei minha raça chorando, a repetir:
Ele é o veneno que eu escolhi pra morrer sem sentir.

29 septiembre, 2008

A vida não me suborna mais

O joguinho de tarefa e recompensa que a Vida gosta de jogar com a gente não é por acaso. Viver é dar voltas pelo mundo buscando ser consentidamente subornado pela existência imensa, em nome da multiplicação da espécie, da vida gregária, da ordem mundial, do espírito humano ou, talvez no fim de tudo, seja mesmo em nome da arte... "The show must go on", gritam ébrias vozes panteônicas apontando ao coliseu azul.

(Tomem isso como exemplo: Está claro que sexo é uma troca suja de fluidos corporais, mas o sujeito vai encantado pra cama, engolir saliva alheia e passar a língua em locais nunca dantes cogitados. O importante é o prazer que ele te dá em troca - sexo, drogas e rock'n'roll são o viral que a Vida espalhou na internet cósmica, seduzindo almas flutuantes e incautas sobre as maravilhas de existir.)

Ocorre que agora a Grande Senhora dos Artifícios não me vê merecedora de seus pequenos subornos, emular a estadia humana por esse estágio de profanação da consciência em algo valoroso, pensa Ela, só interessa quando os sujeitos obedecem a um fim. Às vezes, o sujeito é tão desinteressante que Vida densa já não lhe oferece a peita, não vale a pena; minha fair share foi revogada por tempo indeterminado.

Mas alguém que salta à alienação da racionalidade que essas experiências sensoriais transitórias proporcionam simplesmente não suporta: a realidade não é vivível. Morre-se de ciência continuada.

Em outras palavras, o contentamento que vem das pequenas coisas, das grandes coisas, de qualquer coisa é a filhadaputês mais sarcástica que a Vida poderia haver inventado para fazer-nos dançar para ela. Mas é só quando Ela se deleita que se acendem fogos, a gente sente e é sentido, e tudo se mistura em lisergia, caleidoscopicamente e bem devagarinho.

16 septiembre, 2008

Ele foi pro céu dos gatos



E lá há uma tardinha eterna.

03 septiembre, 2008

Maria Madalena

Maria Madalena não era uma menina bonita de se ver. Ela já havia entendido que, entre o pouco e o demasiado, lhe tocava sempre o não saber qual deles.

Quando estava só com seus livros e seu merlot, ela era só Maria, era linda, vermelha, delirante, e encenava sem querer uma película sem cortes e sem defeitos, intensa e de final trágico, como deve ser.

Sob o sol, ela era Má, Madalena, a outra, a desconcertante, grisácea. Vivia uma vida bemol e sem trilha sonora, loop fantasma girando despercebido e sem razão pelos latifúndios vazios dos Outros.

O que ela sempre quis foi que a vissem sem que fosse vista; queria uma incompreensão cúmplice e, por uma vez na vida, não ter que escolher entre amor e dor.

Entretanto, de sua só a ausência, e nada nunca a delatou.

 

Roberta Gonçalves, 2007 - We copyleft it!