26 agosto, 2008

Histórias de Coletivo n.2

Hoje, tomando o transporte público cidade acima, cidade abaixo, além de ser massacrada pelo hálito demoníaco do sol desse trópico, a minha hipocrisia me deu um belo tapa na cara, daqueles desmoralizantes muito mais que dolorosos; na verdade, dói, mas na alma.

Minha persona européia, de xale no decote, me havia feito esquecer muitas das minhas angústias pessoais. Quando vivia aqui e ainda tinha esperanças, costumava dizer: “sou dos direitos humanos, ajudo as pessoas”. Achava fantástico ser mal paga e viver na insalubridade, porque meus finais de dia eram um pôr-do-sol em Eldorado.

Logo descobri que o que eu fazia era muito mais por mim do que por qualquer outra criatura vivente neste planeta. As cócegas no ego que eu sentia quando fazia apenas cócegas nos muitos problemas sociais com que dizia que trabalhava logo se transformaram em um sentimento de impotencia cínica e egoísmo vil.

Entao pessei a dizer: “sou da Teoria, contribuo com a disseminaçao do conhecimento”. E fui-me embora pra Passárgada, o café blasé, os parques impossíveis e a vida irreal do eterno estado de graça da minha querida Europa.

(Lapso temporal.)

Hoje, dentro do coletivo número quatro, o da volta pra casa, admirando a paisagem urbana, minha melancolia e eu, vi dois garotos e um cachorro dormindo numa calçada, debaixo de uma árvore no lindo bairro do Cabo Branco. Os três juntos, siameses, simétricos, irmãmente dividindo um pedaço de papelão.

Se eu ainda conseguisse chorar, me haveria derretido em lágrimas. Mas eu só consegui olhar pra eles, imóvel, e me sentir nula, um zero à esquerda da existência desprezível.

1 comentario:

Anónimo dijo...

é, rapá, vir pra europa cantar Morena d Angola não significa ajudar o povo que é massacrado pela MPLA.

viva o capetalismo e vamo que vamo.

tarrask, o cínico.

 

Roberta Gonçalves, 2007 - We copyleft it!