11 julio, 2008

Dona Rosinha, 73, prostituta.




Eu realmente não vejo quê há de errado na prostituição; ela tem sua função social, da mesma maneira que médicos, garis e a internet. Tudo tem seu lado bom e seu lado mau. O que me deprime é ver alguem trabalhar em algo que não gosta por toda uma vida e ter que continuar miserável até a velhice.

Eu trabalhava como advogada, ganhava bem e pagava prestações de um carro. Fazia compras no shopping e ia no restaurante japonês toda sexta à noite. Eu era miserável. As contingências da vida me fizeram o suficientemente estúpida e afortunada de largar tudo e sair pelo mundo buscando o que realmente me fazia feliz. Eu tive sorte, a maioria das pessoas não conseguem abrir mão de uma estabilidade, e a maior parte ainda não pode se dar ao luxo de largar o pouco que têm, nem de ir ao shopping e comer no barzinho da moda.

O que me deprime é o muito que nos ensoberbecemos com valores que nem são nossos e apelamos aos argumentos vis e facílimos que nos permitem olhar uma dona Rosinha com pena e até tristeza, mas sempre de cima, os muito hipócritas que somos, sem pensar que pessoas que recorrem à prostituição são tão boas quanto nós, qualquer outro ser humano, mas que a miséria da vida as levou a trabalhar em algo que, além de insatisfatório, é ainda violador. Não é somente a consciência de uma inadequação, é a invasão consentida do próprio corpo na tentativa de sobreviver.

Creio que se vender, por qualquer que seja a via, é degradante e absurdo demais para ser considerado comum e corrente. Eu hoje tenho a felicidade de poder dizer que não me vendi para a advocacia (uma "sanguesuguês" muito pior que a prostituição, mas igualmente exploradora do mais fraco, o pobre demandante por justiça, a puta na volta da praça), ainda que vender em si tenha seu lado não pejorativo: eu sou professora, vendo conhecimento, sou feliz por isso, agradeço todo dia por me quererem comprar.

O que não pode ser via de regra é achar que quem não teve oportunidade de viver do que gosta seja apontado e julgado por viver do que pode. Vender o íntimo do seu corpo é muito mais duro do que vender oito horas do seu dia carimbando folhas ou colhendo maçãs. Cada um deveria ter o direito de viver de algo que aprecie. O que me entorpece é achar que quem não teve como escolher é culpado por isso.

Há pessoas mais capazes que outras para coisas específicas. Nem todo mundo vai achar a cura do câncer e nem todo mundo vai cozinhar tão bem como outros. Capacidades só são reveladas se experimentadas, todos deveriam ter direito a isso; e se, no final, você descobre que a grande paixão da sua vida é ser puta ou advogada, meus parabéns! A maioria esmagadora de nós não tem a oportunidade de buscar pelo que realmente lhe completa, e as pessoas que têm quase nunca encontram.

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Roberta Gonçalves, 2007 - We copyleft it!